segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Deleite

Provar, comer, deliciar
a inconstância do amar
tal como um desejo
o anseio, um ensaio
o preparo e o contar.
Contar de grãos e notas,
um solfejo.

O soar do sino
toca, entoa o apito
do preto velho, o pito.
Põe-se a mesa
e lambe os dedos
melados de sobremesa.

Coma o meu poema!

Dê-me um papel
e uma caneta
Para me servir de mamadeira,
pano e chupeta
Para enganar a falta de teta
Da negra ama, o leite
Ama-me com toque de azeite
e faça do sabor o aceite,
como o derreter de um sorvete.

Coma o meu poema!

Instigue, agite...
Mastigue, degluta e regurgite
o verso cantado,
surrado, sussurrado,
amaciado e entoado
que faz o mal
estar, o mal falado
e o mal dito, o dito
pelo não dito

E dito a receita
daquele que na porta
de maneira torta
espreita a cozinheira
preparar faceira
a sopa, a canja, o caldo
servido como um respaldo.

Coma o meu poema!

Pegue com a mão
lambuze uma fatia de pão
rasgue com os dentes
famintos, carentes

Porque ao poeta também
falta inspiração,
sem nenhuma educação
para pedir desculpa ou
licença, licença poética
à medida, à métrica
ao estilo e à estética...
Clássicas, são patéticas,
são apenas colher de chá.

Coma o meu poema!

Garnido, flambado no vinho
de refinadas uvas
que harmonizam caindo como luvas
ao estômago, ao intestino e a estrofe
picadinha e cremosa como estrogonofe

De palavras douradas,
Fritas, torradas, passadas,
amassadas, assadas,
ardentes em brasa
com fogo que embasa
o calor sem temperatura
do amor da empanturrada criatura
que a lua, as rosas e o clichê atura
Sem deixar do ponto passar a fervura
das rimas que borbulham, banqueteiam
e sem perceber as línguas queimam.

Coma o meu poema!

Embriague-se, coma
embebede-se e entre em coma
com o alto teor de essência de baunilha
como cão fugido da matilha
que o rango da padaria
espia, espia até que a vontade esfria.

Coma a ânsia, ânsia
ânsia que enfarta,
farta de ritmo e de poema, poema?

Coma o meu poema!

Como a entrada, até a conta paga
sem se dar conta, o cafezinho
alheio, ali vizinho
fecha a tarde, a manhã
com manteiga o quente pãozinho
Que poderia descrever e escrever e comer
dia e noite, noite e dia
um novo prato, uma nova poesia.

Coma o meu poema!

Coma o risoto riso ao dente
com cabelo de anjo sorridente
Como arroz, arroz e feijão
feijão, feijão e arroz
dos escritores e outros autores
a sede, sede e fome
fome, fome e sede
de um cale-se a boca, cabeça de cabaça;
de um cálice e uma meia taça.

Coma o meu poema!

Com um gole, sem gorjeta
do gorjear de frango à passarinho
declamando com uma maça na boca
no meu ninho, desde pequeninho, o dilema;
Sem jantar o almoço agora, por hora.

Coma o meu poema!


Vinicius Arnom

Nenhum comentário:

Postar um comentário